Em linhas gerais, o precatório alimentar tem origem em verbas remuneratórias; seria a parcela salarial que deixou de ser paga
Recentemente o governo enviou ao Congresso Nacional a PEC 23/2021, que trata dos Precatórios. Tal proposta é tão descabida que vem sendo chamada de PEC dos calotes, porque em vez de seguir a tendência mundial de minimizar os efeitos da crise financeira decorrente da Covid-19, a PEC 23 propõe parcelar o pagamento de dívidas com sentença judicial definitiva, entre outros pontos. O ministro Paulo Guedes dá um péssimo sinal para a economia brasileira, sem falar da enorme insegurança jurídica que propaga a céu aberto. Aprovada a proposta, seria mais uma “granada colocada no bolso” dos servidores, que também foram afetados pela PEC 23.
A matéria escancara novamente que o governo desanca os servidores públicos sempre que pode. Desta vez porque os precatórios dos servidores, que são de natureza alimentar, estão na PEC supracitada. Em linhas gerais, os precatórios alimentares originam-se de verbas remuneratórias. Como exemplo seria a parcela salarial que deixou de ser paga. Seria o dinheiro que faltou para o sustento dele e da família. Portanto, nesse sentido, a PEC 23 está fora de eixo, na medida em que as graves consequências dos parcelamentos são desconsideradas, pelo que tudo indica. Não por acaso, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar as Emendas Constitucionais nº 30/2000 e nº 62/2009, posicionou-se contra o parcelamento dos precatórios.
Contudo, o governo dá de ombros ao ignorar a jurisprudência contrária do STF. Sinaliza que, no fim das contas, quer mesmo é parcelar o precatório alimentar, ou melhor, quer dar o calote nos servidores públicos, apesar de tudo. A PEC 23 justifica o intento com números montados a dedo. Diz que precatórios poderão ser parcelados se a soma total deles for superior a 2,6% da receita corrente líquida da União. Então sabe-se desde agora que os precatórios serão parcelados. Para 2021, o percentual é de 3,39%. Novidade? Não. A média dos últimos cinco anos já ultrapassa o limite retórico dos 2,6%, o que faz o parcelamento ser aplicado de imediato para todos os precatórios.
Note ainda que a discussão a respeito dos números apresentados pelo governo não faz o menor sentido. Ora, se a sentença judicial já foi dada em relação aos precatórios, não há que se falar em parcelamento de um direito conquistado e transitado em julgado no Poder Judiciário.
Difícil imaginar que o governo tenha esquecido de outro ponto que fatalmente prejudicará os servidores, havendo o parcelamento: a demora da tramitação processual contra a PEC. Não faz sentido iniciar a discussão do precatório alimentar com, por exemplo, 50 anos de idade. Somente iria receber o crédito a que tem direito dali a 15, 30 anos. “São pessoas que podem não desfrutar desse valor em vida (…). Precatório alimentar não pode ser submetido a parcelamento”, afirma o presidente da Unafisco Nacional, Auditor Fiscal Mauro Silva.
De acordo com o Ministério da Economia, no presente exercício serão gastos com o pagamento de condenações em sentenças judiciais perto de R$ 54 bilhões. O que não justifica o parcelamento de precatórios. Neste momento, a arrecadação federal tem alta real de 24,49% no semestre e atinge R$ 882 bilhões, recorde da série histórica. O governo ainda mantém R$ 315 bilhões como privilégios tributários. E como não bastasse, o Poder Executivo é autor do PL 2337/2021, que diminui alíquota do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas, de 15% até 2,3% em 2023, o que daria perto de R$ 100 bilhões.
Se o gasto com precatórios é meteoro, como afirmou o ministro Paulo Guedes, o parcelamento promovido pela PEC 23 é buraco negro que existe para, entre outras finalidades, tragar os direitos dos servidores.
Edição: Sérgio Botêlho